A República da Guiné -62 anos de Independência. (1958 a 2020).
“C’est une vérité évidente que personne ne viendra développer notre cher pays à notre place. Il faut compter sur chaque guinéen avant d’appeler les pays voisins, la communauté internationale avec sa cohorte d’organisation et d’ONG. Jeune de Guinée,
si ce n’est pas nous, alors ce qui? Si ce n’est pas maintenant, alors ce quand?”
(Sekou Toure)
É uma verdade evidente que ninguém virá desenvolver nosso querido país em nosso lugar. Devemos contar com cada guineense antes de chamar os países vizinhos e a comunidade internacional com sua corte de organizações e ONGs. Jovens da Guiné, se não formos nós, então será quem? Se não for agora, então será quando?
(Sekou Toure)
O território de nome Guiné tem duas hipóteses: primeiro este nome pode ter derivado do império de “Djinne”, Ghinea, ou mesmo uma referência a Gana, o nome na língua nativa dado a região onde se situava o império do Mali.
A área ocupada pela Guiné fez parte do antigo império Songai, no período entre os séculos X e XV, quando a região tomou contato pela primeira vez com os portugueses, a partir do comércio, no ano de 1460.
Desta forma, como mencionado acima, a República da Guiné Conacri, faz fronteiras com a Guiné Bissau, Costa do Marfim, Libéria, Serra Leoa, Senegal e Mali, além do oceano Atlântico. Seu território é configurado em quatro regiões fundamentais: Alta Guiné, Média Guiné, Baixa Guiné e Guiné Florestal. Essas regiões se subdividem em oito, nas quais constam 33 prefeituras, 38 comunidades urbanas e mais de 300 subprefeituras e comunidades rurais.
O povoamento da Guiné se deu a partir das migrações de povos pigmeus oriundos do Sudão, (atual Mali), Níger e Senegal. O povo Baga, que ali se formou, acabou sendo expulso da região de Conacri, Baixa Guiné, pela etnia mandinga Soussou, que ali se instalou. Na região da Guiné Florestal, a etnia Quissis se formou e se desenvolveu. Os Malinkês, ocuparam a região da Alta Guiné, no século XVI, após a expansão do Império do Mali. Os Peúles emigraram para a região do Senegal. O reino Peúle se converteu ao Islamismo no século XVIII e, esse fato, proporcionou uma maior organização do povo Peúle, que rapidamente fortaleceu seus exércitos e determinou maior autoridade sobre as diversas etnias presentes e, no ano de 1725, declararam uma guerra santa para dominar completamente a região de Conacri, que permaneceu sob a autoridade do povo peúles até a colonização francesa, em 03 de novembro de 1896. Foi o líder Ibrahim Sori que administrou a região do Futa Jalom (Guiné) e quem expandiu essa região para a confederação Peúle.
Existem mais de 30 línguas regionais com a predominância das quatro etnias, principais descritas acima.

O país tem um governo federativo, com presidente e primeiro ministro, porém ainda não estabilizado completamente em sua política democrática, devido a intensos golpes militares e conflitos étnicos, pois as eleições deveriam acontecer a bom termo, porém ainda limita-se a recorrentes promessas de seus governantes.
São mais de 10 milhões de habitantes, aproximadamente 2 milhões concentram-se na capital, Conacri (situada na ilha de Tombo, sendo uma cidade portuária do Atlântico). Conacri é subdividida em 5 distritos: Kaloum (centro); Duxinn, Ratoma, Matam e Matoto. A economia da cidade desenvolveu-se ao redor do porto, que tem acessos modernos para suportar e armazenar tanques de carga, através dos quais as bananas e o óxido de alumínio são transportados em barcos.
95% dos guineenses são muçulmanos e 5% professam outras religiões, tais como o catolicismo e a religião evangélica, além do animismo.
O clima tropical faz a temperatura permanecer sempre elevada ( de 29C e 35C) e com muita umidade. Os meses de novembro a maio são os mais quentes. No período de junho a outubro chove bastante. A falta de estrutura das vias públicas e as condições precárias de saneamento básico, contribuem para aumentar as inundações constantes e provocar surtos de doenças como a cólera.
A Guiné é extremamente rica em ferro, diamante, ouro, bauxita e urânio, entretanto a taxa de desemprego é alta, o mercado informal porém tenta equilibrar o orçamento doméstico, permitindo a sobrevivência das famílias. O comércio ambulante é muito difundido e concentra um dos maiores mercados da região da África do oeste.
Memórias da Colonização Francesa
Em meados do século XIX, tropas francesas adentraram a região da Guiné, a partir da derrota do exército do guerreiro malinké, Samori Touré, o que deu aos franceses o domínio da região da Guiné e adjacências. A França definiu as atuais fronteiras com os territórios britânico e português, atual Serra Leoa e Guiné Bissau. Desta forma, a região passou a ser chamada de território da Guiné, dentro da África ocidental francesa e administrada por um governador residente em Dakar, no Senegal.
Liderados por Ahmed Sekou Toure, líder do partido democrático da Guiné, o povo da Guiné decidiu majoritariamente, em plebiscito, rejeitar a proposta de pertencer a uma comunidade francesa. Os franceses se retiraram apó Memórias da Colonização Francesa s a decisão e em 2 de outubro de 1958, a guiné se torna independente, com Sekou Toure presidente.
Um cântaro de diversidade
Culturalmente a diversidade é grande, pois em cada região são adotados costumes e tradições particulares que vai desde a simbologia e a linguagem dos tecidos, música, artesanato, entre outros hábitos sociais. Por outro lado a taxa de analfabetismo é enorme, pois apenas 30% dos adultos são alfabetizados na escola. O IDH da Guiné é um dos últimos do ranking e mais da metade da população vive abaixo da linha da pobreza. A guiné é um país muito jovem (42% da população tem menos de 15 anos), com baixa expectativa de vida (média 55 anos). E são registrados uma média de 5 filhos por família.
Mesmo com tantas adversidades, a alegria é imensa, as roupas guardam um colorido particular e todos estão sempre juntos, em espírito de “wontanara” , para além da visível pobreza e precariedade de recursos materiais, encontramos a gentileza natural dos sorrisos e olhares sinceros de encantamento pela alma humana.
Em Conacri a vida acontece em um espaço coletivo e tudo se passa nas calçadas em frente das casas. As pessoas cozinham e se agrupam para comer e conversar, festejam casamentos e batizados aos fins de semana, se banham nas bacias e baldes, lavam constantemente suas roupas, vendem muitas coisas e trançam os cabelos. A cada esquina há um clássico alfaiate a disposição para o corte e a costura de roupas de grande estilo. As mulheres são poderosas, todas, sem exceção estão sempre lindas, maquiadas e bem vestidas para vender pão ou água nas avenidas de capital.

Os campos de futebol são constantemente ocupados por jogadores. Os guineenses amam o futebol e quando conhecem algum brasileiro, rapidamente começam a elencar os nomes da seleção brasileira. O lixo se acumula nas estradas, nos bairros e nas praias. Todo o lixo é descartado no chão, isso se dá pela falta de conhecimento da população sobre a destinação correta dos resíduos. Não há políticas públicas de incentivo à educação ou mesmo de conservação ambiental. As casas são em sua maioria padronizadas e as ruas não são pavimentadas e, durante todo o caminho, muitos comércios ambulantes e feiras repletas de artigos diversos, desde alimentos até vestuário. Muitas coisas preciosas! O comércio é conduzido, aliás comandado pelas mulheres. Mulheres de todos os tipos, desde as mais idosas, de burcas, até mães com seus filhos amarrados nas costas, dormindo tranquilamente.
No trânsito das rodovias, os carros se unem e atravancam a passagem numa luta constante para buscar espaço. Não há faróis de trânsito e os carros competem na buzina ou nos gritos pela passagem. O transporte coletivo é feito pelos Mabaras, são espécies de vans de lotação, com muitas pessoas dentro. Os taxis são reconhecidos pela cor alaranjada e com desenhos estilizados ( listras, caricaturas, elementos diferenciados), em sua grande maioria atravessam as “roots” com uma pilha de malas de turistas. Há muitos caminhões ou carros que carregam desde animais (porcos, cabras e cabritos ou galinhas) ou mesmo sacos de arroz ou farinha.

Insh’alah
O chamado para o primeiro horário de oração é por volta das 5 horas da manhã. O som toma conta do ambiente, a oração parece mantrada, uma espécie de canto evocado. algo mágico que emite uma vibração em tons graves e constantes. Essa oração desperta a todos, fiéis ou não. Esta é a hora de acordar e agradecer imensamente pela vida. Uma mesquita grandiosa com quatro pilares bem marcados e na sua margem concentram-se em sua entrada, inúmeras pessoas com as mais variadas deficiências motoras.
A religião islâmica entrou na África do oeste, em grande parte por influência dos países do norte, Egito e Marrocos, região onde iniciou a expansão árabe-islâmica nos séculos VII e VIII. Essa difusão se deu muito mais pelo comércio e migrações de acadêmicos e missionários do que por imposição militar, ou seja ocorrendo muito mais por meios pacíficos, uma vez que governantes africanos toleravam a religião, ou até mesmo se convertiam a ela. Em Guiné, houve muitos casos de resistência violenta de adeptos das religiões tradicionais africanas, como o animismo e a feitiçaria. A religião não era adotada de maneira uniforme, frequentemente coexistindo com práticas e rituais tradicionais.
A Coletividade
O senso de coletividade entre os africanos segue o lema do “Um por todos e todos por um!” A vida no seio familiar não é apenas compartilhada com seu “seleto” grupo. Há um expressivo laço de solidariedade entre todas as pessoas. é uma rede solidária, íntegra e inabalável. Independente do credo, cor ou etnia, a empatia é gerada e sustentada por frequente sentimento de aceitação e pertencimento. Ainda que constantemente as crianças guineenses gritem em tom de brincadeira, “Fote“( brancos, na língua soussou), ao ver um branco passando na rua, provavelmente um resquício da colonização que deixou marcas profundas na história deste povo, Fores (pretos na língua soussou), acolhem “fotes” em seu coração. Algo que perpassa a mente, algo que somente integra e assemelha.
É sabido por todos o nível de estigmatizacão, estereótipos, discriminação racial e todo o impacto negativo de segregação social que isto trouxe para os africanos, em sua economia, organização política, relações internacionais.
Que este encontro com a Guiné Conacri, em suas inteireza possa deixar aqui registrado e fazer refletir a respeito de todo o cenário escravocrata colonialista, em sua tentativa de esvaziamento cultural e exclusão, deixado como tentativa de legado meritocrático e que, frequentemente agrava o abandono, gerando permanentemente inúmeras desigualdades e injustiças sociais, em África, como também no Brasil. Há uma grande demanda da comunidade africana (residente e migrante) e afro-brasileira por reconhecimento, valorização e afirmação de direitos, principalmente no que diz respeito à educação. Esse reconhecimento clama por estratégias de valorização da diversidade e pela superação do eurocentrismo na interpretação da história das Áfricas. Pois é fato que Elas, as tantas Áfricas, superam todo o estereótipo, antes e continuamente gerado sobre si mesmas. A África é sobretudo o colorido negro e a força dos braços que outrora ergueram vários países do outro lado do oceano.
Pensar sobre isto exige de nós sensibilidade, escuta, empatia, compaixão, tolerância comprometimento e solidariedade. Quem dera pudéssemos sair da sombra do idealismo, onde repousamos tranquilamente a nossa consciência, crentes de que o pouco que fazemos é o máximo que podemos. Que possamos então, dar um passo maior, carregando o desejo de libertação do pensamento colonialista, nos unindo no propósito de gerar uma sociedade mais inclusiva, no Brasil, no mundo, pelo simples impulso de querermos, de fato, ser livres!
Horoyá Guinee!
Wontanara, Dunya! Amoukanama!

Cerimônia em Guiné Conacri
Cila Rocha – Pesquisadora, especialista em Hist´[oria e Cultura africana e indígena
FONTES:
Gonçalves e Lima, A. C. Diálogos Interculturais e Educação.
BA, H. 1956 Culture Peule in Présence africaine, VIII. Paris.
DELAFOSSE, M. 1922 Les Noir de l’Afrique. Paris, Payot.
SILVEIRA, A. 2014 Wontanara – Estamos juntos?
THE SPRAD OF ISLAM por Mark Cartwright, traduzido por Antônio Paganelli Pinto
publicado em 10 Maio 2019.